A MENINA QUE NÃO CONHECIA NÚMEROS
Recordo-me saudosamente da menina de olhos claros ,
cabelos loiros despenteados e pé no chão. A pele morena do sol revelava a
infância vivida na hoje grande avenida e antiga estrada de terra . Olhar
melancólico de quem mesmo não sabendo contar percebia no andar acelerado da mãe
e nas palmas batidas nas cercanias , que
os números expressos nas notas do cruzeiro conquistado , não eram o suficiente pra comprar o pão. A garota franzina
nada pedia , acreditando assim aliviar o sofrimento da protetora desejosa da alegria de sua cria. Eram quatro
, a mais velha já sabia contar e protestava a precisão , a do meio ,
inteligência divina..como pode tudo saber? Bastava perguntar que estava pronta
a responder . O menino atrapalhado e nervoso corria atrás de pipas voadoras e
nada obtinha ; até dispor-se a assustar velinhas e crianças que procuravam o que fazer.
Criativo demais , mas atentado!!!.Diziam as pessoas. A menina de pele queimada
era a menor e aos olhos dos grandes a
menos sabida. Ah..essa se estudar até a quinta série já está bom demais.Quem
sabe se forçarmos até oitava!!Dizia a família ao olhar para menina espevitada .
Mas ao olhar para o céu percebia que o
papagaio que tanto o irmão queria estava prestes a voar e a menina corria até
alcançar..todos papagaios do ar que acabara por doar. Ao observar a mãe agitada ; com lápis e papel
de pão na mão ; o olhar ingênuo pode sentir a infinidade de números. Sem o menor entendimento de
cálculos sancionou que a conta era de
subtração. Sendo subtrair ; equivalente a diminuir a alegria de alguém . Desta
vez a mãe estava sorrindo aliviada ; dizendo:
_“Benzadeus” ; essa árvore está
lotado de frutas ; teremos muitos abacates pra comer . Assim era...abacate com
limão; vitamina de abacate ; abacate na salada ; geladinho de abacate. .A
franzina um dia acordou cedo , esperou a mãe sair , pegou o carrinho de mão de
serviços do pai...e seguiu sem rumo. Assim fez , em vários dias sem que ninguém
percebesse sua ausência , ia e voltava pra casa. Na rua , com um jeitinho doce
divulgava a venda. As vezes homens adultos lhe faziam gracinhas , porém quando percebia fechava seu
sorriso e corria..para perto de alguma mulher. Sabia que a vida tem perigos e
sentia o cheiro do mal quando se aproximava. _ Entre!!! Dizia um homem com ar
de bonzinho. Tenho uma caixa de chocolates que guardo para as crianças quando
passam por aqui. Venha vou te dar duas pois é uma linda garota. A pequena chegou a salivar em pensar que
estava sem se alimentar. Mas resistiu ..pois o cheiro que sentia ; era o cheiro
da maldade.
Ao entardecer ; lá estava a mãe aflita ; contava as
moedas e abria o armário ..vasculhando. A pequena que de números não
compreendia ,revela a mãe o resultado de
suas aventuras de menina não sabida. A senhora assustada com rigor quis saber
de onde vinha tais cruzeiros que tanto precisava. Antes mesmo da moleca responder
, a mulher se apavorava dizendo
que filha dela não roubava e que não poderia crer.
A garota sem
malícia com os olhos brilhantes e
sorriso no rosto ; mostrou a mãe um
lindo e redondo abacate e dizendo-lhe “ Veja !!São lindos e saborosos. É uma
espécie rara de abacate . Apenas dois por Cr$ 2,00 . ”
A mãe feliz abraçou a filha..nesse momento a espevitada
sentiu-se a criança mais amada e sabida...que já começara a aprender a contar.
Como teve essa ideia pequena menina !?
- Quando faço silêncio e fecho os olhos , ouço meu
coração bater como um musica e algumas imagens ficam flutuando em minha mente
como bolas de sabão e aos poucos elas
vão se encaixando umas a outras e me indicam o que devo fazer .
( Márcia Regina Figueira)